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"A Tirania do Corpo..."


Até que ponto os hábitos, costumes e valores sociais influenciam no desenvolvimento dos distúrbios alimentares? Nos últimos anos temos assistido a um considerável aumento de  perturbações relacionadas com a obsessão pelo corpo perfeito, uma preocupação capaz de escravizar, de entorpecer as pessoas em busca de defeitos aqui e ali, imaginando que se não fossem assim tudo seria perfeito. Em muitos casos, esta obsessão pelo corpo é acompanhada de complexos de inferioridade, submissão a vários “tratamentos milagrosos”, uso abusivo de cirurgias e intervenções estéticas, isolamento social, consumo de medicamentos com severos efeitos colaterais, etc. Quando ser “eternamente jovem” é a principal aspiração existencial, actualmente acrescida do ideal de beleza de ser bonito(a), magro(a), exercitado(a) e com músculos bem definidos, custe o que custar, coloca-se em segundo plano outros atributos que não os do corpo perfeito. De facto, romper com esses estereótipos culturais tem sido muito difícil. As pessoas são catalogadas culturalmente e classificadas em categorias sociais, “jovens”, “belas”, “modernas”, “de atitude”, “arrojadas”, enfim, num mundo pretensamente liberal e democrático, numa sociedade que se diz respeitar a individualidade e autenticidade, quem não se enquadrar obrigatoriamente no “modelo” de modernidade desejada (tiranicamente estabelecido não se sabe bem por quem) estará, automaticamente excluído do mundo das pessoas “in”. Actualmente, o conceito de beleza está tão associado à juventude como se não existisse o belo fora da juventude. A consequência desta “cultura do corpo” na saúde emocional vê-se na ocorrência de diversas perturbações psicopatológicas, no aumento dos casos de distúrbios alimentares como Anorexia, Bulimia, Transtorno Dismórfico Corporal, Vigorexia, Ortorexia (obsessão por comida saudável, vegetais, produtos naturais...), não esquecendo a propensão de determinadas pessoas que devido à obsessão pelo corpo acabam por desenvolver depressão grave, isolando-se, por vezes cometendo suicídio. A Vigorexia ou Overtraining é uma perturbação na qual as pessoas realizam práticas desportivas de forma contínua e intensa, com uma valorização praticamente religiosa (fanatismo) ou a tal ponto de exigir constantemente do seu corpo sem se importar com eventuais consequências ou contra-indicações (lesões, problemas osteo-articulares, etc). A Vigorexia é mais comum em homens que mesmo sendo já bastante musculosos, passam diariamente várias horas no ginásio e ainda assim se consideram “fracos, magros e até esqueléticos”. Uma das observações desses pacientes é que têm vergonha do próprio corpo, recorrendo assim ao exercício excessivo e às “fórmulas mágicas” para acelerar o fortalecimento, como os esteróides anabolizantes (estes aumentam o risco de doenças cardiovasculares, lesões hepáticas, disfunções sexuais, etc). É curioso observar como as patologias mentais ou, no mínimo, os “sintomas mentais” evoluem e se transformam ao longo do tempo e entre as diversas culturas, mostrando-se sensíveis às mudanças socioculturais. A Vigorexia, por exemplo, está a nascer no seio duma sociedade consumista, competitiva e onde o culto à imagem acaba por adquirir, praticamente, a categoria de religião. Paradoxalmente, em franca contra-posição à tendência repulsiva da sociedade à obesidade, assistimos a um forte apelo publicitário à  ingestão de alimentos hipercalóricos e supérfluos desde a infância, estimulado pela nossa cultura altamente consumista. Actualmente sabemos que os mídia são uma influência determinante no comportamento humano, conseguindo promover verdadeiras "revoluções" no pensamento das pessoas, em que o “belo” e o “perfeito” devem ser perseguidos a qualquer preço. Procurando adequar-se aos padrões que na maioria das vezes são praticamente impossíveis de serem alcançados - uma vez que os mídia podem manipular a imagem das pessoas, torná-las mais belas e "perfeitas" do que realmente são, muitas pessoas vão perdendo a sua própria identidade sem terem consciência disso. Alguns investigadores entendem as Perturbações Alimentares como síndromas ligados à cultura em que a pressão sociocultural para emagrecer é considerada um elemento fundamental da etiologia destes distúrbios e quando associada a outros factores de risco (biológicos, psicológicos, familiares, etc) constitui um terreno fértil para o desenvolvimento dessas perturbações.